Aparecimento de surucucus em áreas urbanas de Camaragibe chama atenção da comunidade científica: 'Nós, pesquisadores, estamos todos atônitos'
17/09/2025
(Foto: Reprodução) Grande Recife tem aumento no aparecimento de cobras surucucu
O aparecimento de serpentes da espécie surucucu-pico-de-jaca, considerada a maior cobra venenosa das Américas e a segunda do mundo, em áreas urbanas de Camaragibe, no Grande Recife, tem chamado a atenção da comunidade científica.
Segundo dados do Projeto Surucucu, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), só em 2025, 20 desses animais foram vistos na Região Metropolitana. Desde 2020, houve 76 registros (veja vídeo acima).
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De acordo com Jozélia Correia, professora do Departamento de Biologia da universidade e coordenadora do projeto Surucucu, o fenômeno chama atenção pelo fato de que a serpente é típica de áreas de mata mais isoladas e escuras.
“É destaque nacional o aparecimento dessa espécie da forma como vem acontecendo nos últimos cinco anos. Chama a atenção de toda a comunidade científica. Estamos todos surpresos e atônitos. [...] O que está levando a nós termos o caso de uma serpente, que é típica de estar dentro da área de mata, de uma área protegida e está chegando próximo à população nas suas casas, nessa convivência com as pessoas?”, disse.
De coloração alaranjada, com manchas escuras ao longo do corpo, a surucucu tem na ponta da cauda escamas arrepiadas que lembram a casca de uma jaca, característica que deu origem ao nome popular. O veneno que ela produz provoca reações como inchaço, problemas na circulação sanguínea e diarreia, e pode levar à morte se a pessoa não buscar atendimento em até 24 horas (saiba mais abaixo).
"É algo que nos causa estranheza e também preocupação, porque nós estamos falando de uma serpente peçonhenta, de uma serpente que tem interesse na saúde pública, porque pode vir a ocorrer nessa interação entre humanos e esses animais algum acidente", afirmou a professora Jozélia Correia.
Boa parte dos casos foi registrada no bairro de Aldeia, em Camaragibe, área turística e residencial localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe.
Para os pesquisadores, o aumento dos casos está ligado ao desmatamento e ao avanço da urbanização. Condomínios, loteamentos e estradas reduziram o habitat da espécie, forçando os animais a aparecerem em quintais e jardins.
“Muitos condomínios novos significam desmatamento. Não temos mais área para a surucucu-pico-de-jaca. Então, ela vai aparecer nas casas, dentro dos jardins, e isso vem, ao longo desse tempo, só aumentando”, afirmou o biólogo e pesquisador Rodrigo Leite, que atua no resgate das serpentes.
Em ao menos duas situações recentes, a cobra apareceu em áreas residenciais, surpreendendo famílias que precisaram acionar equipes de resgate. A médica Régia Sofia foi uma das moradoras de Aldeia surpreendida pela "visita" da serpente dentro de casa.
“A gente não podia simplesmente deixá-la ir embora e chamamos o pessoal que tem a expertise de resgatar. Porém, enquanto a gente esperava eles chegarem, ela começou a tentar sair. Peguei a ferramenta que eu tinha disponível, que era um ancinho, e consegui, depois de algumas tentativas, colocá-la num balde”, relatou.
Outra moradora, a administradora Adriana Maria, também se deparou com uma surucucu em sua casa. “Quando eu estava dentro do chalé, bem de boa, meu marido chegou e viu que ela estava na frente de casa e eu não tinha visto. Aqui é comum aparecer cobras”, disse.
Surucucu-pico-de-jaca solta da Mata Atlântica pelo Projeto Surucucu
TV Globo/Reprodução
Cobra venenosa
Em Pernambuco, os casos de pessoas picadas por cobras e animais peçonhentos são atendidos pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox). Ao g1, a coordenadora do órgão, Rogéria Brito, disse que, nos últimos meses, não registrou nenhuma ocorrência no estado.
"A sintomatologia que ela causa é edema, hemorragia, bolhas no local e, num termo assim bem diferenciado das outras serpentes, é que ela causa cólica abdominal e diarreia, que as outras serpentes não causam, o que pode dar bradicardia (baixa frequência cardíaca) e hipotensão", explicou.
Segundo Rogéria Brito, quando uma pessoa é picada, ela deve entrar em contato com o Ciatox pelo 0800 722 6001 ou procurar a unidade de saúde mais próxima. Depois, o paciente é encaminhado para um dos hospitais que têm soro antiofídico específico para o veneno da cobra que o picou.
"Outra coisa não colocar nada no local da picada. Algumas pessoas passam sebo, margarina, manteiga. Não é para passar nada. [É preciso apenas] lavar com água e sabão. Não colocar creme hidratante", orientou.
Ainda de acordo com a coordenadora do Ciatox, entre as medidas que devem ser tomadas para evitar uma picada de surucucu, especialmente em áreas próximas de região de mata, como Aldeia, estão:
Evitar andar descalço, usando, de preferência, botas de cano alto, já que a surucucu tem um impulso forte e consegue "pular" na perna da pessoa;
Não colocar a mão em buracos abertos em troncos de árvores, locais onde esse tipo de serpente costuma se abrigar;
Usar luvas ao manusear entulhos e materiais de construção;
Manter limpos os locais de terreno baldio e mato alto;
Vedar ralos com telas e colocar pano das portas para evitar que elas entrem na casa;
Evitar presença de roedores, que são as principais presas da surucucu.
Pesquisa e monitoramento
Depois do resgate pelo Projeto Surucucu, os animais passam por triagem em laboratório. Eles recebem um chip com informações individuais, como se fosse um CPF, e também passam por coleta de sangue e exames de imagem, antes da reintrodução na natureza. A iniciativa conta com apoio da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH).
“Nós realizamos o hemograma, como são feitos nos humanos, e algumas análises bioquímicas que avaliam rins, fígado e musculatura, entre outros”, explicou a professora de patologia clínica Andressa Francisca Silva Nogueira.
Após o monitoramento, as cobras são devolvidas à natureza em áreas de mata, sempre durante a noite, quando estão mais ativas.
“É uma honra poder trazer esse animal tão emblemático de volta para a natureza. A gente precisa sempre pensar no bem-estar do animal e reduzir o estresse ao máximo”, afirmou o estudante de mestrado Augusto Ferreira.
Pesquisadores do Projeto Surucucu durante manejo de serpente
TV Globo/Reprodução
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